You are currently viewing Brasil é pouco federativo, diz professor da Unisul

DS – O que é ensinado aos jovens, em Santa Catarina, sobre proclamação da República?
Professor de Historia Mário Cardoso – A mudança da forma monárquica para a forma republicana de governo no Brasil é estudada tanto no ensino fundamental e médio como no ensino superior (curso de História). Sempre se procura mostrar aos alunos que o principal interessado pela mudança – o povo – não esteve presente (ou não se fez presente) naquele evento histórico. Foi um movimento ensaiado por uma parcela da aristocracia rural que estava migrando economicamente para o meio urbano (nas cidades se dizia que a forma republicana era a garantia de modernidade administrativa e o único caminho possível para se atingir o desenvolvimento) e executado pelos militares do Exército apoiados pela classe média urbana que se formava.
DS – Quais as principais mudanças?
Mário – Econômica e politicamente a mudança foi mínima. As oligarquias agrárias continuaram no poder (por isto, República Velha: 1889/1930). As velhas oligarquias nordestinas ficaram enfraquecidas enquanto as oligarquias do Sudeste (RJ, SP e MG) se tomaram hegemônicas, controlando o país, a partir de 1894, com a posse de Prudente de Moraes. O conhecimento sobre esse fato histórico, e sua análise, ajuda a entender a atual situação do pais e a aumentar nossa revolta contra os desmandos na administração pública. Temos heranças “funestas” desse período histórico presentes no cotidiano da administração pública. Compra de votos, currais eleitorais (“coronelismo”), subornos, fraudes, troca de favores, campanhas políticas carissímas, eternas reeleições nos legislativos, enriquecimento ilícito, favorecimentos, mensalão são vergonhas históricas que se reciclam, se repetem. Ao longo de nossa história colonial, monárquica e republicana construímos “imunidades” a determinadas pessoas ou grupos que são difíceis de serem retiradas. Em Santa Catarina, sempre se procura trabalhar a transição monárquico-republicana de forma que se estude a convergência das rebeliões ocorridas durante o 2° governo militar (1891/1894)Floriano Peixoto – e os acontecimentos ocorridos na Ilha de Santa Catarina.
DS – Por que o sul rebelou-se contra Floriano?
Mário – Vários são os fatores que levaram civis sulistas e marinheiros a se rebelarem contra o governo de Floriano, entre eles a alegação de inconstitucionalidade do governo (a Constituição de 1891 previa nova eleição caso o presidente não cumprisse 50% do mandato, ou seja, dois anos. E Deodoro renunciou ainda no primeiro ano do mandato); a intenção de acabar com o domínio das oligarquias estaduais; o afastamento da Marinha do controle político e militar; e os esforços do governo republicano para iniciar um processo industrial no pais. A conjugação desses fatores colocava as tradicionais elites em condições desfavoráveis. Havia o risco da perda do controle sobre a vida nacional.
DS – Quando ocorreu a revolta?
Mário – A Revolução Federalista teve início em 2 de fevereiro de 1893, no RS, atingindo os três estados do sul e a Revolta da Armada em 6 de setembro de 1893, no Rio. Diante da reação das tropas fiéis ao presidente, os rebeldes acabaram adotando a Ilha de SC como abrigo “seguro”. Aqui se proclamou urna república separatista que duraria de 14 de outubro de 1893 a 16 de abril de 1894. O golpe final na revolução foi dado com a mudança do nome da capital. Sai a antiga Desterro, que poucos aceitavam (já tramitava projeto na Assembléia para mudança do nome, sugerindo-se Ondina, Redenção, Ponta Alegre e outros), e entra Florianópolis. A condição para a adoção desse nome também apresenta controvérsia entre os pesquisadores. A adoção do nome Florianópolis nos leva a crer que se deva à necessidade de os republicanos catarinenses bajular Floriano (o consolidador da República) e Moreira César. Certamente isso se deve a interesses das lideranças republicanas que viram, nessa atitude, uma forma de agradar ao autoritário presidente.
DS – Como o tema é trabalhado no curso de História da Unisul, em Tubarão, Araranguá e Passo de Torres?
Mário – É evidente que, no curso de História da nossa universidade, se estude e se aprofunde o saber sobre tão relevante episódio da historiografia brasileira e catarinense. No curso de História da Unisul, organizam-se, inclusive, visitas técnicas ao espaço onde os fatos ocorreram. Faz-se normalmente visita técnica à capital e às fortalezas da ilha, onde Anhatornirim ganha especial destaque.
DS – Como foi a repressão na época e quantos foram mortos?
Mário – A repressão foi forte. Civis e militares que se envolveram no movimento foram presos, levados para navios e para a fortaleza de Anhatomirim onde, sumariamente, foram enforcados ou assassinados. Quan to ao número de mortos, existe grande divergência entre os pesquisadores. O número varia entre 34 e 185 vítimas. A culpa por essas mortes não deve ser atribuída apenas a Floriano e a Moreira César, mas também à classe política local e à administração estadual da época, que, se não mataram, foram, no mínimo, omissas diante dos atos sanguinários do “cortador de cabeças” Moreira César.
DS – E qual é a sua opinião sobre o episódio?
Mário – Distando 102 anos do episódio fica mais fácil emitir opinião sobre o assunto, pois nosso envolvimento pessoal é bem menor. Sabe-se que os aconteclinentosocorridosna Ilha de SC, ao final do século XIX, fizeram parte do conjunto de lutas dos grupos políticos e econômicos que se sentiram, de certa forma, prejudicados, ou com os favores da monarquia ou com os rumos do Brasil republicano. Floriano Peixoto, usando métodos autoritários, conseguiu esmagar “seus” adversários e consolidar a República. Não concordo com o autoritarismo usado – a força – con tra tudo e contra todos. Porém, não quero cometer qualquer tipo de anacronismo – julgar os envolvidos sob meu ponto de vista, em época diferente. Prefiro afirmar que, em qualquer circunstância, a vida e a dignidade humana devem ser respeitadas, preservadas. Não concordo com as guerras. Melhor teria sido dialogar, buscar o consenso entre as partes.
DS – O Brasil, hoje, é federalista?
Mário – Sob o meu ponto de vista somos muito pouco, ou quase nada federativos. Todas as decisões econômicas, políticas, institucionais, jurídicas, legislativas vêm do governo central. Estados (unidades federativas, apenas no nome) e municípios pouco ou nada podem fazer a não ser seguir as diretrizes da Constituição Federal e a vontade dos grupos políticos que controlam o Estado naquele determinado momento. Para mim construímos um país unitarista e não federalista. Creio que essa discussão deva ser levada adiante até mesmo como forma de se rediscutir a forma como está organizada nossa República.

Fonte: Jornal Diario do Sul.