Já se disse que no Brasil existem leis que pegam e leis que não pegam. O Código Florestal criou a reserva legal, ou seja, determina que parte da propriedade rural deve ser preservada. Não há fiscalização e o governo não demonstra interesse no cumprimento da lei; o desleixo provoca o desmatamento desenfreado e causa danos irrecuperáveis ao ambiente; a Lei n° 11.705/2008, denominada lei seca, por algum tempo trouxe bons resultados, porque reduziu significativamente o número de mortes por acidentes de veículos no País. As conveniências deixam o governo leniente na fiscalização da lei o que provoca aumento do número de mortos e acidentados no trânsito.

E assim caminha o País!

A saúde é direito fundamental do cidadão, de conformidade com preceitos constitucionais; em função disto e considerando o grande número de brasileiros sem condições de custear gastos com medicamento, internamento e consultas médicas, a Lei n° 8.080/90 criou o Sistema Único de Saúde, SUS, em todo o País; o atendimento é precário e o usuário passa por dificuldades de toda natureza para receber tratamento médico-hospitalar. Os obstáculos vão além, pois quem tem a felicidade de possuir plano de saúde passa por problemas semelhantes.

Até julho de 2003 não havia legislação alguma proibitiva da exigência de caução para os atendimentos hospitalares, nos casos de emergência e urgência. A Resolução Normativa n° 44, da Agência Nacional de Saúde, passou a dispor sobre a matéria, vedando a exigência absurda e ilegal. A norma, dirigida aos hospitais que possuem contrato com planos de saúde, não permite depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito.

Os hospitais alegam que os planos de saúde não dispõem de serviço de atendimento 24 horas, impedindo contato entre o usuário ou mesmo o hospital e a operadora; ademais, os planos atrasam para remeter a autorização para o atendimento, em média 48.00 horas, dificultando desta forma a cobrança dos custos dos serviços.

No Paraná, a lei estadual n° 1.270/2000, no Rio de Janeiro, a Lei n° 3359/2002, no Mato Grosso, a Lei n° 8.851/2008, no Pará a Lei n° 6.798/2005 proíbem a exigência de depósito prévio para internação de doentes em situação de emergência e urgência nos hospitais inclusive da rede privada; em outros estados, a exemplo de São Paulo, Rio Grande do Sul, Maranhão tramitam projetos de leis no mesmo sentido.

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei n° 6.389/2002, apensado a outros, propondo diversas alterações à Lei n° 9.656/98, entre as quais expressa proibição da exigência de cheque como caução no atendimento de emergência ou de urgência dos hospitais aos pacientes de maneira geral; todavia, antes mesmo da aprovação deste anteprojeto, o CDC, incisos IV e V, artigo 39, estabelece que é vedado ao fornecedor "prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;" ou "exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;".

Portanto, não se trata de falta de lei, mas de aplicação do que já existe. Os hospitais possuem outros meios para reclamar a dívida, caso o paciente não pague as despesas ocorridas com sua internação e tratamento. Afinal, a Constituição garante saúde para todos.

A despeito de tudo isto, os hospitais e os planos de saúde não atendem a pacientes que não se submetam à prestação de caução mesmo para atendimentos de emergência e urgência.

A Agência Nacional de Saúde disponibiliza site e telefone gratuito para que os usuários denunciem os infratores: WWW.ans.gov.br, telefone gratuito 0800-701-9656.

As leis só serão cumpridas se o cidadão conscientizar e exigir; no caso, vale ingressar em juízo com ação de danos morais e denunciar os planos e hospitais infratores à Agência reguladora. As leis estaduais penalizam os hospitais com devolução em dobro do valor exigido a titulo de caução.

Espera-se que as demais unidades da federação se sensibilizem para editar lei semelhante às do Rio de Janeiro, do Paraná, de Mato Grosso, do Pará, cessando desta forma com os abusos cometidos, sem respeito algum ao paciente e à Resolução da Agência Nacional de Saúde.

Enquanto isto, cabe ao cidadão reclamar aos deputados, no Congresso Nacional, aprovação do Projeto de Lei, dispondo sobre assunto tão relevante e que tramita há mais de quatro anos naquela Casa.

ANTONIO PESSOA CARDOSO
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia