Nos últimos meses, o uso de Jet skis no canal dos Molhes, em Laguna, tem sido alvo de muita polêmica. O motivo? O impacto destas embarcações sobre a população de botos residentes nesta área. Um parecer técnico elaborado pelo assessor de projetos da Fundação Lagunense do Meio Ambiente – Flama, Patrick Souza, com apoio de professores doutores especializados neste animal e estudos de pesquisadores internacionais, comprova o impacto negativo dos Jet skis sobre a vida e sobrevivência dos botos.
Os animais residentes em Laguna são conhecidos como boto-da-tainha, cujo nome científico é Tursiops truncats. São cerca de 55 "moradores" fixos, concentrados numa área de circulação constante durante todo o ano na lagoa Santo Antônio dos Anjos, zona central próxima ao centro da cidade, desembocadura do Rio Tubarão e canal dos Molhes.
O estudo mostra que existem algumas ameaças recorrentes para a população do boto-da-tainha no município, entre elas destacam-se: tráfego intenso e desordenado de embarcações, capturas acidentais em redes de pesca, doenças por exposição a contaminantes e perda de alteração significativa de habitats.
A ocorrência de lesões epidérmicas alerta para o estado de saúde dos botos, que estão expostos à poluição química e orgânica proveniente do uso e ocupação de áreas ao entorno. O parecer revela que o emalhamento acidental em redes de pesca é apontado como a principal causa de morte dos animais.
Pesquisadores americanos apontam algumas conseqüências causadas por embarcações para pequenos cetáceos, como: diminuição da distância entre indivíduos, mudança de direção, aumento da velocidade de nado e aumento de intervalo respiratório. O efeito acumulativo desta exposição já levou, por exemplo, ao abandono de áreas de alimentação por indivíduos de uma população da Floria, nos Estados Unidos. Na Carolina do Sul, também no mesmo país, comprovou-se uma influência dramática no comportamento de botos quando da aproximação de Jet skis.
Patrick Souza aponta que a velocidade e imprevisibilidade dos Jet skis durante as manobras são fundamentais na mudança de comportamento dos botos: "quanto mais imprevisível o movimento e mais variante a velocidade, maior o impacto. Quanto mais rasa a água e a presença de filhotes também. Essa é uma característica dos Jet skis, que realizam manobras imprevisíveis e em alta velocidade".
É comum ver filhotes de botos com suas mães na região dos Molhes e o relatório revela que as fêmeas com filhotes são mais suscetíveis que outros grupos. O barulho também prejudica o animal em detectar sinais biológicos do ambiente, como presas e predadores.
A conclusão do estudo mostra que o uso de Jet ski apresenta alto potencial de impacto para estes animais, principalmente por causa dos movimentos bruscos e velocidade variada, gerando aumento no risco de colisões, aumento nas intensidades sonoras e na amplitude de freqüência, resultando no aumento do distúrbio sonoro com efeitos no comportamento como abandono de área e estresse, que indiretamente pode levar à morte.
Uma pesquisa feita pelo professor de engenharia de pesca da Udesc e doutor em ciências biológicas, Fábio Daura, em conjunto com outros pesquisadores, revela um dado alarmante sobre a extinção destes botos: "Devido ao pequeno tamanho populacional e seu aparente grau de isolamento, os botos tem alta probabilidade de extinção (acima de 90%) num intervalo de cem anos".
O relatório finaliza evidenciando a incompatibilidade da prática de manobras de Jet skis nas áreas de alta densidade dos botos, considerando a pequena população de botos residentes na área, sua concentração no canal de ligação das lagoas com o mar, o valor da ‘pesca com auxílio dos botos' e a constante presença de filhotes na área, o que indica ser este um importante local para reprodução da espécie.
Lei municipal que restringe o uso de Jet skis:
De acordo com a lei municipal n° 817 de 12 de dezembro de 2001, na área compreendida entre a boca da barra e o atracadouro do sistema de balsas de travessia na lagoa Santo Antônio dos Anjos, é proibido o uso de Jet ski para práticas de atividades aquáticas esportivas ou recreativas.
Porém, de acordo com a Procuradoria do Município, a lei deixa uma "lacuna" no que se refere ao uso do canal somente como travessia, sendo que: "a lei proíbe somente manobras", explica o procurador geral, Victor Baião.
A lei federal n°9.537 de 11 de dezembro de 1997 que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas nacionais, regulamentado pelo Decreto n°2.596 de 18 maio de 1998, define as áreas destinadas para navegação, como o canal dos Molhes, e o respeito pelos limites impostos para a navegação.
Conforme a procuradoria, a lei municipal não pode ser contrária à lei federal. Conclui-se então que o canal de navegação pode ser usado por embarcações apenas para realização de travessias, desde que de forma segura e respeitando os limites impostos pela autoridade marítima.
Solução:
O parecer técnico da Flama aponta para uma solução, que seria a construção de uma "rampa pública" para embarque e desembarque de embarcações esportivas em um local que seja fora dos limites do canal de navegação e/ou nos pontos onde aconteça a pesca com auxílio dos botos, sendo o canal usado somente como área de passagem, além da prática de Jet ski ser evitada num raio mínimo de 300 metros de distância dos botos.
Além disso, há uma sugestão quanto ao zoneamento completo da área, com câmeras de segurança em pontos estratégicos, sob responsabilidade da guarda municipal, instalação de placas informativas e um método de identificação nos veículos náuticos de uso obrigatório.